Sistema Online de Apoio a Congressos do CBCE, IV CONECE

Tamanho da fonte: 
REFLEXÕES SOBRE O CORPO HUMANO NUMA PERSPECTIVA BIOCULTURAL: UM OLHAR PARA A PRÁTICA DO MERGULHO NO LITORAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Paula Nunes Chaves

Última alteração: 2012-11-13

Resumo


O corpo humano se reduz aos aspectos orgânicos, ou abarca também os aspectos culturais, sociais e históricos? Com o objetivo de responder esse questionamento foram tecidas reflexões bioculturais sobre o corpo a partir do conhecimento da dinâmica social, da vida, do corpo, e em especial da atividade de pescadores de lagosta no litoral do Rio Grande do Norte. Estes arriscam suas vidas na prática do mergulho com compressor de ar sem os equipamentos adequados, desencadeando acidentes de mergulho. Nessa perspectiva, este tipo de pesca configura-se como uma manifestação da cultura litorânea que imprime características e mudanças no corpo de seus partícipes. Corroborando com esse pensamento Mendes (2005, p. 71), destaca que: “conforme vivenciamos nosso corpo, temos possibilidade de conhecê-lo, perceber suas variações no tempo e no espaço em que estamos inseridos.”
No tocante à metodologia utilizada, esta se caracteriza por discussões biológicas e sociológicas sobre o corpo. No estudo de campo, foram entrevistados 24 pescadores nas colônias de Rio do Fogo, Caiçara do Norte, Cajueiro e Baia Formosa localizadas no Rio Grande do Norte. Posteriormente, foi realizado um estudo sobre o corpo humano numa perspectiva biocultural estabelecendo relações com a prática do mergulho dos pescadores de lagosta, os acidentes e as transformações corpóreas causadas por esta prática.
Para Merleau-Ponty apud Mendes (2007, p. 124) “o corpo humano é condição de existência e está atado ao mundo em que vive”. Assim, é preciso atentar para uma compreensão de corpo pautada numa perspectiva biocultural, que se fundamenta no entrelaçamento entre os códigos biológicos e culturais. Segundo Mendes (2005, p.73): “Esses entrelaçamentos entre os aspectos orgânicos e os simbólicos reforçam a idéia de que o corpo humano não se reduz aos aspectos anatômicos, fisiológicos, bioquímicos ou psicológicos, abrangem também os aspectos culturais, sociais e históricos.”
Este estudo sobre a prática do mergulho de pescadores de lagosta com compressor de ar ilegal constitui-se como uma grande evidência da interdependência existente entre o organismo e seu ambiente, problematizando a oposição e dissociação entre natureza e cultura. Reafirmando essa perspectiva Merleau-Ponty (2004) reflete que nossas relações com o espaço não são as de um sujeito desencarnado com um objeto longínquo, mas a de um habitante com seu meio familiar.
Diante desse cenário, é preciso atentar para o fato de que o corpo pensa, sente, é dotado de historicidade, memória, subjetividade e não pode ser isolado do mundo em que vive. E nesse jogo de reciprocidade entre o homem e a natureza, a pesca da lagosta está modificando e marcando a vida e os corpos dos pescadores. Foucault (1985) ao refletir sobre a interdependência do corpo com o ambiente que o circunda, desataca que entre o indivíduo e o que o envolve supõe-se toda uma trama de interferências que irão induzir efeitos mórbidos no corpo.
Com relação a esses efeitos, os pescadores entrevistados explanaram sobre as alterações orgânicas sentidas nos seus corpos, principalmente dores nos ossos e articulações, alterações estas que não estão dissociadas do contexto cultural que os envolve. Além dessas transformações, os acidentes de mergulho tem provocado inúmeras outras seqüelas e a morte de muitos pescadores, deixando marcas na história individual e coletiva desses corpos.
Ao término deste estudo, observamos que as mudanças corporais retratam fielmente as marcas deixadas na historicidade desses corpos pela pesca da lagosta e são produtos de um entrelaçamento dos aspectos simbólicos e biológicos que atuam sobre o corpo naquela realidade. Algumas marcas são visíveis, outras escondidas, mas elas estão tatuadas nos corpos e representam as semelhanças entre esse grupo de pescadores que são partícipes do mesmo contexto cultural e sócio-econômico desfavorável, corroborando com o pensamento de que o corpo humano não se resume a um conjunto de ossos e músculos, mas que engloba significados, sentidos e sua própria cultura.

Palavras-chave


Corpo, natureza e cultura

Referências


MENDES, M. I. B. S. Mens Sana in Corpore Sano: Saberes e práticas educativas sobre corpo e saúde. Porto Alegre: Sulina, 2007.

MENDES, M I. B. S. O conhecimento do corpo na educação física escolar. In: NÓBREGA, T. P. (Org.). O ensino de Educação Física de 5ª a 8ª séries. Natal: Paidéia, 2005 p. 70-75.

FOUCAULT, M. história da sexualidade 3: o cuidado de si. .Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque: revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque. - Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.

MERLEAU-PONTY, M. Conversas, 1948. Tradução Fábio Landa, Eva Landa. - São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Texto completo: PDF