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OS CORPOS-CADEIRANTES NO CORTEJO DA LAVAGEM DO BONFIM: ESTÉTICA E PERFORMANCE DOS CORPOS EM EXTENSÃO
Luís Vitor Castro Júnior, Adriana Priscilla Costa Cavalcanti, João Danilo Batista de Oliveira

Última alteração: 2018-08-29

Resumo


Tradicionalmente, as festas populares baianas movimentam multidões que possuem uma maneira única de fazer festa misturando irreverência e fé pelas ruas de Salvador. Diante de tantas intensidades sentidas e cartografadas na pesquisa “Festa e Corpo: as expressões artísticas e culturais ”; nos provoca saber: De que maneira esse espaço-momento do cortejo pode ser considerado como espaço de expressão, afirmação e vivência de um direito social para pessoas com deficiência, que utilizam a cadeira de rodas como meio de locomoção e a tornam extensão e parte de uma estética corporal? Este texto é fruto de uma pesquisa realizada, nas festas populares baianas, que teve o intuito de analisar os saberes/performances que os corpos encenam utilizando-se de outros signos, outras formas de linguagem e de expressão, bem como de compreender a vitalidade que caracteriza as festas populares, no sentido de olhar tanto para o cenário composto pela estrutura oficial da festa, como para as performances dos corpos que, geralmente, ficam no anonimato. Para tanto, o foco desse texto consiste em identificar e analisar os movimentos corporais produzidos pelos cadeirantes, visando compreender a inserção dos mesmos no espaço público do cortejo da Lavagem do Bonfim. Caminhamos na pesquisa de caráter exploratório-descritivo (GIL, 2002) que se utilizou dos dispositivos de observações participantes e da imagem fotográfica para produção de dados, permitindo-nos compreender um determinado evento social, em sua dimensão singular, estudando seus atos, atividades, significados e as cenas espetaculares (BIÃO, 2009) dos corpos anônimos produtores de saberes, ainda pouco valorizados. Os dados foram levantados e registrados pelos pesquisadores entre os anos de 2011 e 2013. Portanto, observou-se que a expressividade dos cadeirantes por meio de seu dançar na festa, ao mesmo tempo, em que expressa arte popular assume um espaço importante no plano das relações do cotidiano, nas relações interpessoais, convertendo as representações e um imaginário social de deficiência associado à ideia de doença e incapacidade, que lhes atribui status de quem necessita de caridade e assistência social, para a ideia de que é possível viver em uma situação de desvantagem sem que essa resulte em desigualdade. (DINIZ, 2007) Isso é uma forma concreta de mostrar que o corpo excluído, segregado, de uma pessoa com deficiência também é capaz de rir, festejar, divertir-se, dançar, chorar e alegrar-se. São experiências que os escrevem no plano dos grupos sociais, que querem afirmar a deficiência como uma forma legitima de ser e estar no mundo, como sujeitos de direitos sociais, entre os quais se inclui o direito à educação, à saúde e também ao lazer. Assim sendo, no cortejo, os corpos-cadeirantes são desterritorializados pelas acelerações e desacelerações dos acontecimentos, pelos encontros e desencontros, em que as experiências são constituídas a cada instante. Nas passagens, são transformados e transformam o ambiente da festa também; criam um corpo coletivo dos cadeirantes, que se interpenetra no contexto da festa compondo uma paisagem diferente. E assim participam ativamente, se divertindo, embalado pelo ritmo do cortejo, desafiando a lei da gravidade: dançam, requebram, rebolam, inclinam-se para um lado e para o outro. Desse modo, revela significados culturais do “não dançarino profissional”, mas atento ao ritmo musical, bem como a um conjunto de habilidades que ele aciona, ao mesmo tempo, como, a noção de equilíbrio, giro e deslocamento espaço-temporal. Isso demonstra “uma possibilidade de questionamento, ruptura e transformação” (FERREIRA, 2000, p. 94) do significado estabelecido pela sociedade frente a esta condição. Nesse sentido a dança em cadeira de rodas é uma estética, a qual os sujeitos utilizam a cadeira como uma extensão do seu corpo (corpos em extensão) e que apresenta o sentido de prazer em movimentar-se, o qual “produz outros efeitos de sentidos em relação ao que o sujeito é na sociedade” e que “a relação sujeito-dança-sujeito é um processo que movimenta a [sua] identidade” (FERREIRA, 2002, p. 126). Ali a deficiência não é vista como algo sacrificante, piegas ou penalizante. No meio da multidão, entre a mistura de fé e irreverência, o corpo deficiente “[...] não pede tolerância, respeito ou boa-vontade. A diferença, desrespeitosamente, simplesmente difere”. (SILVA, 2002, p. 66). Concluímos que a dança em cadeira de rodas nas festas populares não se configura como modelo coreográfico ensaiado pelos grupos de danças convencionais, mas, sobretudo na produção de gestos com os quais os cadeirantes expressam seus saberes, estéticas e performances diante das situações vividas no momento da festa. Eles potencializam um espetáculo particular no qual o palco é a rua, e os espectadores a multidão, concretizando, assim, uma ruptura de sentidos que normalmente são estabelecidos a esses sujeitos pela sociedade.

Palavras-chave: Corpo-cadeirante, Cortejo da Lavagem do Bonfim, Dança.

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