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Coreografias de um corpo-que-trabalha-na-maré
Thais Mara Dias Gomes, Mônica Angelim Gomes de Lima, Jorge Alberto Bernstein Iriart

Última alteração: 2018-08-27

Resumo


O presente trabalho resgata narrativas textuais e visuais de uma pesquisa etnográfica realizada entre 2011 e 2012. A autora se propõe a compreender o trabalho de pescadoras artesanais a partir dos movimentos e práticas corporais performados na comunidade pesqueira de Ilha das Fontes, no município de São Francisco do Conde/BA. ‘Em cena’, as pescadoras e a própria autora numa perspectiva compreensiva, buscando o que nem sempre é dizível e visível nas relações sociais. A construção de corpo adquirida nesse estudo retoma as sociedades tradicionais e comunitárias, onde a existência de cada um flui na presteza ao grupo, ao cosmo, à natureza. O corpo não se distingue da pessoa, não separando o homem do seu corpo nem da trama comunitária e cósmica em que ele está inserido (LE BRETON, 2007). Quando o corpo se torna nosso “ponto de vista do mundo”, em lugar de um objeto, a estrutura espaço-temporal da experiência perceptiva é reavivada e o pensamento objetivo em geral é suprimido (MERLEAU-PONTY, 1999). Marcel Mauss (1974) considera os gestos e os movimentos corporais como técnicas próprias da cultura, e, portanto, possíveis de transmissão com seus significados específicos através das gerações. O corpo é assim ‘d’escrito como um texto, revelando marcas, mitos, símbolos, gestos, movimentos, traços sociais e significação cultural (LE BRETON, 2003). Optou-se pela perspectiva fenomenológico-compreensiva como referencial metodológico, pois ao longo desse campo foi privilegiada a interação e auto-observação para construção do entendimento. Esse estudo também requereu uma aproximação com a fotografia, que são aqui mobilizadas como uma forma narrativa complementar ao texto. Segundo Achutti (1997, p. 14) seu uso como narrativa imagética é “capaz de preservar o dado e convergir para o leitor uma informação cultural a respeito do grupo estudado”. Essa abordagem baseia-se, em parte, na ideia de que as imagens têm uma dimensão performativa que lhes permite conduzir a narrativa. Com o resgate da narrativa visual produzida no campo, aspectos que foram objeto da pesquisa começaram a ressurgir. Para desvendar os caminhos desse corpo-que-trabalha-na-maré também fui conduzida a mariscar, conhecer no meu corpo o que me propus a interpretar. Ato que também me permitiu outros alcances visuais. É através dessas narrativas que buscam conhecer, vivenciar, compreender e interpretar o fenômeno. Um trabalho que contempla em geral sete etapas. Um dia o trabalho pode iniciar-se às 7 horas da manhã e findar-se 12 horas depois, noutro a saída é feita com o dia ainda escuro só retornando ao fim da tarde. Tanto as saídas como os retornos dependem da maré, a descobrir e encobrir a fonte de sobrevivência dessa gente que dela vive. Em meio a essa jornada de trabalho permeiam outras, pois a elas cabem o cuidar dos filhos e companheiros, os afazeres domésticos e o preparo da alimentação. O corpo frágil construído para a mulher perde significado nas comunidades pesqueiras. Para Merleau-Ponty (1999), o mundo transparece na interseção das experiências individuais com as vivências do outro, assim o sujeito constrói a sua subjetividade, todos inseridos em um mesmo contexto e em determinado período sócio-histórico que precisa ser compreendido. Na construção da identidade da pescadora (HALL, 2005) transparece a expressão de independência e autonomia do trabalhador da maré. Para realização desse trabalho basta-lhe seu corpo e a projeção dele realizada por instrumentos de baixo ou nenhum custo como uma colher ou faca para retirada do marisco e um balde para o transporte. Os caminhos que conduzem às entranhas do trabalho na maré expressaram-se temporariamente em meu corpo e cotidianamente no corpo da pescadora/marisqueira nos dias de intenso labor, mas também transparecem prazer, identidade, pertencimento. Há um domínio sobre seu processo de trabalho, pressionadas pela contingência da vulnerabilidade social. Esse corpo só é conhecível por mim pela sensação que me dá, assim o corpo-que-trabalha-na-maré não é apenas um conglomerado de sensações e memórias. Ao assumir esse fenômeno, percebo mais do que sensações e memórias, há um ‘todo’ significado e fundamentado pelas experiências na maré.
ACHUTTI, L. E. R. Fotoetnografia: um estudo de antropologia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Tomo, 1997.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu de Silva e Guacira Lopes Louro. 5ª ed. Rio de janeiro: DPeA, 2005.
LE BRETON, D. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Tradução Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 2003.
_______________A Sociologia do corpo. Editora Vozes. Petrópolis- Rio de
janeiro, 2007.
MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU, 1974.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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