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Corpo de mulher: desafios da formação humana e estética para a emancipação
Lygia Maria dos Santos Bahia, Maria Cecília de Paula Silva

Última alteração: 2018-08-29

Resumo


O corpo é a presença concreta, palpável, da nossa existência. É o elo que nos conecta com o mundo e nos dá visibilidade e individualidade. Sujeito às condições socioculturais do seu tempo, o corpo se constrói a partir da interação do sujeito com o mundo. Numa sociedade marcada pela distinção dos corpos masculino e feminino, o corpo das mulheres tem sofrido ações que ao longo dos séculos tem cerceado a autonomia e independência do corpo feminino. Nesse sentido, a história da experiência do corpo feminino é assinalada por impedimentos e desigualdades que deslocam as mulheres para um lugar subalterno no meio social e, frequentemente é alijado de participar, de forma plena, dos diferentes contextos da experiência humana, sejam os sociais, os culturais ou os políticos. Foucault (1993, p. 89) sugere que devamos compreender melhor o poder e considerá-lo na multiplicidade e em correlações de força, “formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais”. Ao considerarmos a educação dos corpos (FOUCAULT, 2014, 2018), compreendemos que a educação das mulheres, ao longo dos séculos, se baseou em uma proposta de docilizar os corpos femininos. Esta intenção pode ser interpretada como uma discriminação ou como forma de limitar a participação das mulheres em várias esferas da vida social e política, em manifestações culturais diversas, a exemplo das práticas esportivas, cujo acesso para as mulheres no Brasil iniciou nas primeiras décadas do século XX. Silva (2009) afirma que, apesar do corpo estar presente em todos os lugares e momentos da vida humana, ainda permanece ausente nas discussões educacionais. A partir dessa assertiva, a pesquisa histórica aqui relatada pretendeu refletir e aprofundar questões surgidas a partir dos resultados de uma dissertação de mestrado que focou a educação de mulheres que, em diferentes épocas, competiram na prova de natação em mar aberto - Travessia Mar Grande-Salvador. Especificamente, como imagens e representações do corpo feminino o associam à papéis sociais e conformações estéticas determinadas? Assim, o objetivo desta comunicação é apresentar, por meio de uma pesquisa histórica, desenhos estéticos e políticos realizados na e pela educação do corpo feminino, em relação às atividades competitivas de natação em mar aberto de mulheres soteropolitanas em 1957 e 2016 e propor alternativa no que concerne à formação humana e estética para a emancipação. Entre caminhos teóricos e metodológicos optamos pela análise e interpretação baseadas nas referências bibliográficas, além da investigação em fontes orais e documentais do acervo público da Bahia e do acervo pessoal das entrevistadas. Como resultados, confirmamos que uma preocupação social com a masculinização dos corpos femininos, decorrente da prática da natação competitiva, foi recorrente nos depoimentos das entrevistadas, nas épocas consideradas. Evidenciou-se, igualmente, a permanência do espaço definido para os corpos femininos, no que se refere às ocupações profissionais, aos papéis culturais e às responsabilidades familiares. A respeito dos papéis sociais de homens e mulheres, Le Breton (2012) diz que a condição do homem e da mulher é construída socialmente. Em especial, se considerarmos os lugares ocupados pelos corpos das mulheres na sociedade, este continua a nos apresentar uma tendência de permanência. E esta tendência pode ser uma fator impeditivo para as mulheres escolherem e acessarem os múltiplos espaços que a vida humana oferece. Os resultados apontam que, ainda, há muito a se fazer. Constatamos no universo pesquisado que permanecem, no imaginário social, subjetividades, estereótipos, preconceitos e cerceamentos do corpo feminino o que sugere uma ausência de discussão sobre a educação das mulheres, seja no campo formal, não formal ou informal, de maneira a garantir para elas o alargamento social, cultural, estético, ético e político. Silva (2018, p. 190) considera que, apesar de já estarmos finalizando a segunda década do século XXI, “ainda hoje as relações sociais, culturais, de poder, relacionadas às ‘coisas de mulher’, permanecem sendo pautadas por uma moral machista e religiosa que naturaliza as ações de dominação e nega às mulheres o direito de decidir sobre suas escolhas e sobre sua vida”. Constatou-se, por fim, uma permanência quanto aos papéis sociais ‘concedidos’ às mulheres, há séculos. Como conclusões, podemos afirmar que esta educação estética dos corpos femininos é percebida de forma ampliada, como uma educação social e política que continua a restringir as mulheres de serem sujeitos de sua história, de poderem fazer escolhas dentre todas as possíveis, de viverem de forma plena e emancipada a sua vida. Necessita-se ampliar pesquisas nesta área que apresentem contrapontos à hegemonia dos lugares e dos corpos historicamente concedidos às mulheres para então considerarmos estas outras histórias relacionadas aos corpos das mulheres, às aspirações culturais e sociais. Sugere-se que a “questão da mulher deva fazer parte da educação para a emancipação, numa luta que é histórica, é social, é econômica, é diária e permanente” (SILVA, 2018, p.191). E, então, possibilitar uma educação para a emancipação das mulheres e a transformação social. Uma educação outra, para a formação de corpos e culturas emancipadas.

Palavras-chave: corpo e cultura; educação de mulheres, estética feminina.
BAHIA, Lygia Maria dos Santos. Histórias e memórias de mulheres nadadoras: o que a Travessia Mar Grande-Salvador revela sobre a educação das mulheres. 2017.105f. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder.7ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2018.
_________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 42ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
_________. A história da sexualidade 1. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1993.
LE BRETON, David. A Sociologia do corpo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
SILVA, Maria Cecília de Paula. Do corpo objeto ao sujeito histórico: perspectivas do corpo na história da educação brasileira. Salvador: EDUFBA, 2009.
________. Uma questão de gênero ? corpo, saber, sabor, política e práxis na formação humana. In: GRANDO, Beleni Salete et al. (orgs.). Mulheres, culturas e identidades II. Série Mulheres, territórios e Identidades. Curitiba: CRV, 2018. (p.179-193). (no prelo).

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