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A ACADEMIA DE MUSCULAÇÃO COMO INSTITUIÇÃO DISCIPLINAR: DO CORPO DISCIPLINADO AO EMPRESÁRIO DE SI
Leonardo Hernandes de Souza Oliveira, Rafael da Silva Mattos, José Guilherme Almeida

Última alteração: 2021-08-31

Resumo


A medicina moderna nasce a partir da ruptura com o paradigma da história natural das doenças, buscando princípios na biologia para desenvolver saberes a partir da anatomopatologia. Seu principal projeto é tornar o corpo saudável, produtivo e livre de doenças que venham a gerar riscos à produção capitalista industrial. A preocupação com os níveis de saneamento básico das cidades e a possibilidade do alastramento de doenças infecto-contagiosas faz surgir uma Educação Física preocupada com a formação de homens e mulheres sadios. Esta perspectiva é conhecida como Educação Física Higienista. Da mesma forma, é prática eugenista, na qual a atividade física se constitui como um dispositivo para aprimorar os corpos a fim de aperfeiçoar a raça, tal como discutido por Foucault nos seus estudos sobre as condições de possibilidades discursivas e institucionais que integrou diversos fatos no campo da fronteira entre o normal e o patológico. Na sociedade disciplinar, o corpo deve ser útil economicamente e dócil politicamente. A disciplina opera organizando o espaço e o tempo, estabelecendo vigilância sobre os corpos e registrando saberes. O objetivo do estudo foi identificar características do poder disciplinar nas academias de musculação. Trata-se de um estudo qualitativo caracterizado pela observação do espaço e análise dos dados a partir da analítica do poder de Foucault (1971). Os resultados apontam que a começar pela organização do espaço, podemos identificar uma setorização similar em grande parte das academias: setor de cárdio (composto por aparelhos de exercício aeróbio), setor de (organizadas pelos grupamentos musculares que trabalham), setor de pesos livres (espaço reservado para uso de caneleiras, halteres, abdominais e alongamentos), além de vestiários, salas de aula específicas por modalidade coletiva e sala de avaliação.
Cada sujeito que treina possui uma prescrição individualizada para realizar os exercícios em uma sequência determinada (controle do espaço) e com um número de repetições calculado para os seus objetivos (controle do tempo). Este controle do espaço-tempo se dá a partir da produção de um conhecimento sobre o aluno-cliente. Esta produção tem início na sala de avaliação, quando uma quantidade de informações é produzida a partir de padrões pré-determinados pela biomedicina. Quando o corpo do sujeito não se enquadra nos padrões desejados, este passa a ser modificado pelas práticas da própria instituição (treinos de musculação, exercícios cardiovasculares, aulas coletivas) a fim de adequá-lo à docilidade. Há, tal como nas prisões e nos manicômios, uma prescrição individualizada em uma ficha nominal, regularmente vistoriada, trocada, ampliada. A vigilância sobre este corpo é então estabelecida, seja pelo controle de sua presença na academia (catraca na entrada, agendamento de aulas coletivas), seja pela ficha de musculação (que deve ser trocada regularmente), seja pela renovação do seu plano de pagamento. Esta vigilância é ainda exercida por meio dos agentes disciplinares que, dispostos no salão de musculação ou ministrando aulas coletivas, detém a função de orientar a execução correta dos exercícios, corrigir as execuções fora do padrão e zelar pelo equipamento da academia. Diante deste conjunto de fatores, podemos identificar a academia de musculação como uma instituição disciplinar, que investe determinados dispositivos sobre o corpo visando a produção de uma biosubjetividade. Trata-se do eixo articular segurança-prevenção-risco que introduz uma biopolítica nas sociedades neoliberais, produzindo-se o que Foucault nomeou como empresário de si.

Referências


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CASTELLANI FILHO, L. Educação Física no Brasil: A história que não se conta. 2 ed. São Paulo: Papirus, 1991.

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